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Bruno da Silva Amorim - Articulista
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Gestor Público pela Universidade Federal de Pelotas, Especializando em Contabilidade Pública pela Universidade Estadual do Ceará e Acadêmico de Direito pela UCPel.

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A TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL

A TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - UMA ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL
 

GUSTAVO RAFFI RICKES

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Pelotas

BRUNO DA SILVA AMORIM
Acadêmico de Direito pela Universidade Católica de Pelotas e de Gestão Pública pela Universidade Federal de Pelotas

 

 1.     INTRODUÇÃO
 

A responsabilização dos servidores públicos é um tema de grande relevância para a administração pública, pois visa garantir a prestação de serviços públicos de qualidade e a proteção ao patrimônio público. Com esse viés, é imperativo ressaltar que os servidores públicos, pela prática de um ato ilícito podem ser responsabilizados em três esferas: cível, penal e administrativamente.

Essa responsabilidade pode decorrer do exercício de cargo, emprego ou função, existindo um claro confronto entre os princípios básicos da Administração Pública, como a segurança jurídica, e as garantias individuais do administrado, sendo um tema complexo e de notória relevância, pois é essencial para o fortalecimento da democracia e do Estado Democratico de Direito.

 

2.    A RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO SERVIDOR PÚBLICO

Inicialmente, é fundamental pontuar que quando os servidores públicos são responsabilizados pelos danos causados, eles são incentivados a agir com ética e probidade, aumentando a qualidade dos serviços públicos e a integridade do interesse público. No caso da responsabilização civil o que se verifica é o dever de reparar os danos causados à Administração, sendo de ordem patrimonial e decorrendo diretamente do artigo 186 do Código Civil, qual seja:

 

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

 

Com fulcro nesse artigo, reputa-se que para se configurar o ilícito civil são necessários os seguintes elementos: ação ou omissão antijurídica, culpa ou dolo, relação de causalidade e dano moral ou material. Especificamente no caso da prática de atos ilícitos por um servidor público deve-se verificar se este dano foi causado ao Estado ou a um terceiro.

No caso do dano ser causado ao Estado, a responsabilidade é apurada mediante processo administrativo, com garantia da ampla defesa e do contraditório ao servidor. Já na ocorrência do dano ser em desfavor de um terceiro, responde o Estado objetivamente, cabendo, em todo caso, direito de regresso contra o servidor que efetivou o dano.

 

3.    RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO SERVIDOR PÚBLICO
 

A responsabilidade penal do servidor público é a sanção aplicada pelo Estado ao servidor que pratica um crime ou contravenção. Os crimes ou contravenções penais praticados por pessoas no exercício de cargo ou função pública estão previstos no Código Penal, em leis especiais e na Constituição Federal. Cabe destacar que a responsabilização penal do servidor público é também baseada no princípio da legalidade, sendo somente responsabilizados por crimes previstos em lei.

No caso do ilícito penal, são necessários os seguintes elementos: ação ou omissão típica e antijurídica, relação de causalidade, perigo de dano ou dano e culpabilidade. Cabe pontuar que para fins penais o conceito de servidor público é mais amplo, aproximando-se, de certo modo, ao conceito de agente público, nesse sentido, o artigo 327 do código penal enuncia que:

 

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.

 

São exemplos de ilícitos penais praticados por servidores públicos o peculato, a concussão, a corrupção passiva, a prevaricação, o abuso de poder, o abuso de autoridade, dentre outros. Por fim, destaca-se a responsabilização penal do servidor público como um tema importante a ser discutido, pois a prática de ilícitos penais por estes atenta diretamente contra a própria função primordial da Administração Pública: satisfazer o interesse público e as garantias dos administrados.

Com esse fulcro, não se poderia imaginar uma Administração plena e eficaz em que seus servidores são, de certo modo, criminosos.

 

4.    A      RESPONSABILIZAÇÃO      ADMINISTRATIVA     DOS      SERVIDORES PÚBLICOS
 

A responsabilização administrativa do servidor público é a sanção aplicada pelo Estado ao servidor público que comete uma infração disciplinar. As infrações disciplinares são previstas na Lei nº 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.

A responsabilização administrativa do servidor público é a sanção aplicada pelo Estado ao servidor público que comete uma infração disciplinar, conforme dispõe o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, ou o estatuto jurídico em questão, seja ele estadual ou municipal.

Caso seja comprovada a infração disciplinar o servidor fica sujeito às sanções previstas em seu estatuto respectivo, no caso dos servidores públicos federais podemos citar as penas de advertência, destituição de cargo em comissão, destituição de função comissionada, suspensão, demissão e cassação de aposentadoria.

Ademais, é importante mencionar que a aplicação da penalidade exige motivação clara, sob pena de nulidade, demonstrando a adequação e o nexo causal entre a infração e a pena definida, normalmente constando tal motivação no relatório da autoridade que realizou o processo administrativo. Por fim, elenca-se a responsabilização administrativa dos servidores públicos é importante para garantia da preservação do Erário e para o bom funcionamento da Administração Pública.

 

5.    A RELAÇÃO ENTRE AS TRÊS ESFERAS DE RESPONSABILIDADE
 

As três esferas de responsabilidade do servidor público estão relacionadas entre si, pois podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, havendo também a previsão da obrigatoriedade de não se responsabilizar o servidor nas esferas cível e administrativa, caso tenha sido absolvido na esfera penal em alguns casos específicos. Além disso, as três esferas podem se complementar. Por exemplo, uma ação judicial de reparação de danos pode ser baseada em uma decisão administrativa de responsabilização do servidor público.

Somado a esse entendimento, é necessário destacar que a regra geral é que as três instâncias são incomunicáveis entre si, ressalvadas algumas exceções em que o juízo penal produz coisa julgada na esfera cível e administrativa.

A regra fundamental sobre essa relação entre as esferas está contida no artigo 935 do Código Civil, qual seja:

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

 

Ademais, indo ao encontro ao artigo 126 da Lei nº 8.112/90, que determina:

 

Art. 126. A responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria.

 

Por conseguinte, com base nestes dispositivos legais, retira-se que o juízo penal produzirá efeito nas esferas administrativa e cível no caso de absolvição criminal que negue a autoria ou a existência do fato. Por fim, a relação entre essas instâncias observada nos casos excepcionais supramencionados, dá-se pelo entendimento que o juízo penal possui maior rigor investigativo e probatório por lidar com o direito fundamental à liberdade, sendo a comunicabilidade nos casos descritos dever da Administração e direito do administrado.

 

6.    A NECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DA TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO EM CONFRONTO COM O EXAGERO PUNITIVISTA E AS GARANTIAS DOS SERVIDORES PÚBLICOS
 

O ordenamento jurídico brasileiro prevê a tripla responsabilização em casos muito específicos, para justamente evitar o excesso punitivista. Entretanto, entende- se que o interesse público, por dizer respeito ao direito de todo um corpo social, merece por esse caráter a maior tutela jurídica possível prevista no sistema jurídico brasileiro: a tripla responsabilização.

Entretanto, não é só para os casos de ilícitos praticados pelos servidores públicos que a tripla responsabilização é prevista, mas também para a responsabilização de ilícitos ambientais, por se entender que se trata de um bem jurídico de relevante importância por dizer respeito, nos termos da Carta Magna, às presentes e futuras gerações.

Por fim, é imperativo ressaltar que os administrados possuem durante o processo administrativo e judicial, nas três esferas, direito ao contraditório, à ampla defesa e acesso aos graus recursais, podendo fazer valer o seu direito de participação nas decisões e defesa de seus direitos, o que de certo modo, apazigua o teor punitivista da tripla responsabilização.

 

7.    BREVE       ANÁLISE        JURISPRUDENCIAL       SOBRE       A        TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO DOS SERVIDORES PÚBLICOS
 

7.1.            “Absolvição criminal fundada em ausência de prova no tocante à autoria não exclui a punição administrativa de funcionário público baseada em inquérito” (STF, RE 85.314, DJ 2‑6‑78, p. 3.031).

A in(ter)dependência entre as esferas criminal e administrativa, é pontuada nessa jurisprudência, como um relevante princípio frente a responsabilização dos servidor públicos. A absolvição criminal por falta de provas em relação à autoria não impede a punição administrativa, deste modo, reflete-se a ideia de que a responsabilização administrativa dos servidores públicos não está estritamente vinculada aos resultados de um processo criminal.

Depreende-se disto, que, é necessário manter as esferas de responsabilização separadas, pois cada uma contém seus próprios procedimentos e critérios quanto a punição dos indivíduos. A responsabilização administrativa está interligada com a manutenção da integridade do serviço público e de sua ética, enquanto a responsabilização na via penal é considerada a ultima ratio, onde a exigência de provas é necessária além de qualquer dúvida que seja razoável.

No processo criminal, o ônus da prova recai sobre o Ministério Público, que deve provar a culpabilidade do réu, por outro lado, na esfera administrativa, as normas e procedimentos são diferentes, e o padrão de prova é geralmente menor do que o exigido no processo criminal, ou seja, a via mais aceita é da preponderância de provas.

Por fim, é relevante ressaltar que, essa independência entre as esferas permite que a Administração Pública tome medidas para garantir a integridade e a eficiência do serviço público, mesmo que o sistema de justiça criminal não tenha sido capaz de estabelecer a culpa criminal do servidor.

7.2.            “Demissão de servidor público. Legalidade do ato, o qual não se afeta pela absolvição criminal do servidor por carência de melhor prova do fato denunciado” (TFR, AC. 20.188, DJ 16‑5‑79, p. 3.784).
 

A punição administrativa, como a demissão de um servidor público, é uma medida autônoma e que não depende da absolvição criminal, como visto anteriormente. Novamente, ressalta-se que a punição administrativa é aplicada para manter a integridade e a eficiência do serviço público, enquanto a punição criminal requer um padrão mais procedimental e rigoroso de produção de provas.

Com base nesta jurisprudência, a absolvição criminal por “carência de melhor prova do fato denunciado” não desobriga a Administração Pública de agir de acordo com os princípios da legalidade e probidade na esfera administrativa, tão quanto, os demais previstos no Art. 37 da Constituição Federal e nas leis infra-constitucionais.

Como dito, essa jurisprudência traz consigo o princípio da legalidade na administração pública, pois as autoridades administrativas têm a responsabilidade de agir de acordo com a lei e os regulamentos públicos para garantir o bom funcionamento do serviço público e a proteção do interesse deste. A legalidade da demissão não está vinculada apenas ao resultado do processo criminal, mas sim a avaliação da conduta do servidor à luz das normas e procedimentos administrativos.

 

7.3.            “O autor não foi denunciado no juízo criminal por nenhum dos fatos consignados no relatório e que serviram de base à punição administrativa. A instância administrativa, no livre exercício de seu poder legal, julgou a prova colhida no inquérito suficiente para a condenação à pena de demissão, que impôs. E o autor não trouxe para os autos provas capazes de ilidirem aquelas que serviram de esteio ao ato administrativo impugnado. Nem demonstrou sua não conformidade com o direito escrito” (TFR, AC. 29.542, DJ 3‑12‑79, p. 9.120).
 

Depreende-se desta jurisprudência a intrínseca necessidade de distinguir os fatos subjacentes à punição administrativa daqueles que são objeto de um processo criminal. Se um servidor público não foi denunciado no processo criminal pelos mesmos fatos que fundamentaram a punição administrativa, apenas se reforça a ideia de que as esferas de responsabilização são in(ter)dependentes.

As decisões administrativas precisam ser robustas, ou seja, destaca-se a necessidade de uma fundamentação sólida que garanta que as provas e os argumentos estejam alinhados com os princípios legais.

Por fim, é relevante mencionar que essas jurisprudências ressaltam a complexidade e a importância da tripla responsabilização dos servidores públicos. Cada esfera possui uma função específica na busca pela integridade, ética e eficiência para o servidor público, bem como para as atividades do poder público. A interdependência entre essas esferas permite que a responsabilização seja justa e proporcional, mantendo o equilíbrio entre o interesse público e as garantias individuais dos servidores públicos.

 

8.    EQUILÍBRIO    ENTRE    A    RESPONSABILIDADE    E     AS    GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS SERVIDORES PÚBLICOS
 

É necessário, mesmo que de forma breve, apontar a necessidade de equilibrar o interesse público frente a responsabilização dos servidores com as suas garantias individuais. Embora a tripla responsabilização tenha um caráter punitivista, é importante mencionar que os administrados possuem direitos fundamentais, como o contraditório, ampla defesa e o acesso aos graus recursais, que permitem que eles participem ativamente do processo e defendam os seus direitos.

Outros meios de punição, alternativos à responsabilização mais grave, são necessários quando estamos de frente a infrações leves que podem ser solucionadas através de avisos e termos de ajuste de conduta, a fim de garantir a efetividade ao princípio da continuidade do serviço público, pois a priori, os servidores que estão em processo de responsabilização, tanto penal como administrativamente, possuem ei incumbit probatio, ou seja, a presunção de inocência.

 

9.      A TRIPLA RESPONSABILIZAÇÃO EM OUTROS CONTEXTOS
 

Além da responsabilização dos servidores públicos, a tripla responsabilização também pode ser aplicada em outros contextos, como a responsabilização por ilícitos ambientais. Neste contexto, também temos a abrangência das esferas cível, penal e administrativa.

Na esfera cível, os infratores podem ser obrigados a pagar indenizações pelos danos causados ao meio ambiente ou a terceiros afetados. A esfera penal implica em sanções penais, como a prisão e multas, visando punir os autores de crimes e dissuadir futuras infrações.

Por fim, a esfera administrativa permite que as autoridades ambientais apliquem sanções administrativas, como multas e interdições, para assegurar a conformidade com as regulamentações ambientais e promover a restauração dos danos causados, reforçando, assim, o compromisso ambiental e o cumprimento das leis ambientais.

 

10. CONCLUSÃO
 

Por último, diante da análise da tríplice responsabilidade dos servidores públicos pela prática de atos ilícitos, denota-se a grande importância que o ordenamento jurídico brasileiro dá à probidade, boa fé e zelo do servidor no exercício de suas atribuições.

Diante da grande relevância que o servidor público possui para estabilidade dos serviços públicos e bom funcionamento do corpo social é que o direito se volta para ele com a tutela cível, penal e administrativa de seus atos ilicitamente praticados. Por conseguinte, vê-se que a jurisprudência vai ao encontro desse entendimento, demonstrando o caráter central da atuação do servidor público para estabilidade social.

REFERÊNCIAS
 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2023. 

 

ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2005; 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

 

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

 

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004, 2008, 2011 e 2015.

 

MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Princípios gerais de direito administrativo. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

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