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Eduardo Salles Pimenta
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A desordem para a ordem da proteção aos direitos autorais sobre o programa de computador

A desordem para a ordem da proteção aos direitos autorais sobre o programa de computador

Eduardo Salles Pimenta[1]

Há muito vimos constatando, uma desordem na aplicação da lei de proteção aos direitos autorais do programa de computador, ao qual sobre uma lógica de hermenêutica, agora apresentaremos, fundado em consulta de julgados de nossos tribunais e em parte da doutrina.

O programa de computador tem sua previsão protecionista na lei 9609/98, com a natureza jurídica dada pelo enunciado do art. 2, caput:

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

Portanto, temos a proteção ao programa de computador, tal e qual àquela conferida aos direitos autorais, sobre as obra literárias.

Em lei, numericamente posterior – Lei 9610/98, a regulamentar a proteção aos direitos autorais, tem disposto no art. 7 § 1 :

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...)

XII - os programas de computador;

(...)

  • 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.

Constatamos que temos duas lei a proteger os direitos autorais, sobre o programa de computador. O que pode ser constatado pela doutrina e jurisprudência:

Ação de indenização – Contrafação – Programa de computador – Inequívoca a titularidade da autora dos programas de computador (softwares) objeto da lide – Inteligência dos artigos 2º, § 3º da Lei 9609/98 e 13 da Lei 9610/98 – Prova pericial que confirmou o uso de programas de computador sem o devido licenciamento – Sentença de procedência – Recurso não provido. Nega-se provimento ao recurso. 

(TJSP;  Apelação Cível 1015807-46.2014.8.26.0004; Relator (a): Marcia Dalla Déa Barone; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IV - Lapa - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/06/2018; Data de Registro: 20/06/2018)

 

Agora, por questão de hermenêutica, à luz do DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942, fundado na determinação do art.2, procuraremos definir a lei aplicável a proteção do programa de computador:

Art. 2o  Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1o  A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
  • 2o  A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

A lei 9610/98 é posterior a lei 9609/98, ambas versam sobre os direitos autorais sobre o programa de computador, tem a lei 9609/98 disposições que geram a incompatibilidade com a lei posterior 9610/98. A proposito veja o disposto no art. 2 § 1 da lei 9609/98 e o disposto no art. 24 da lei 9610/98 (esse dispositivo deve ser interpretado vinculado ao art. 7, XII § 1 desse diploma legal):

 

Negando os direitos morais do autor sobre o programa de computador

 

Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.

§ 1º Não se aplicam ao programa de computador as disposições relativas aos direitos morais, ressalvado, a qualquer tempo, o direito do autor de reivindicar a paternidade do programa de computador e o direito do autor de opor-se a alterações não-autorizadas, quando estas impliquem deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou a sua reputação

 

 

Positivando os direitos morais do autor sobre o programa de computador

 

Art. 24. São direitos morais do autor:

I - o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra;

II - o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

III - o de conservar a obra inédita;

IV - o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

V - o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada;

VI - o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem;

VII - o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

§ 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV.

§ 2º Compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

§ 3º Nos casos dos incisos V e VI, ressalvam-se as prévias indenizações a terceiros, quando couberem.

 

Por conseguinte, quanto a proteção dos direitos autorais, no seu conteúdo moral, prevalecerá a lei 9610/98 – que o reconhece , sobre a lei 9610/98 que o nega.

Ainda cabe destacar, que por dedução do disposto no art. 3 § 1, inc. I da lei 9609/98, e a afirmativa do  art. 11 da lei 9610/98, que adjetiva o autor do programa de computador como pessoa física, teremos a caraterização humana de autoria da obra intelectual: o programa de computador.

Autoria do programa de computador pela lei 9609/98

 

Art. 3º Os programas de computador poderão, a critério do titular, ser registrados em órgão ou entidade a ser designado por ato do Poder Executivo, por iniciativa do Ministério responsável pela política de ciência e tecnologia. (Regulamento)

§ 1º O pedido de registro estabelecido neste artigo deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:

I - os dados referentes ao autor do programa de computador e ao titular, se distinto do autor, sejam pessoas físicas ou jurídicas;

Autoria do programa de computador pela lei 9610/98

 

Art. 11. Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica.

Parágrafo único. A proteção concedida ao autor poderá aplicar-se às pessoas jurídicas nos casos previstos nesta Lei.

 

 

Contudo, se dúvida paíra na reflexão do autoralista, em razão da prevalência do disposto na lei 9610/98, sobre a lei 9609/98, à luz da LINDB – art. 2 §1, para a proteção do programa de computador, tendo em vista o teor do art. 10 do anexo ao DECRETO No 1.355, DE 30 DE DEZEMBRO DE 1994 - ACORDO SOBRE ASPECTOS DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL RELACIONADOS AO COMERCIO (ACORDO DE TRIP's – Tratade Right Intellectual Property, ASSINADO NO ÂMBITO DO GATT):

 

Artigo 10

Programas de Computador e Compilações de Dados

  1. Programas de computador, em código fonte ou objeto, serão protegidos como obras literárias pela Convenção de Berna(1971).

Nesse sentir, assenta que tratando-se de acordo internacional sobre a propriedade intelectual, que trata de direitos humanos, por proteger as criações de espirito exteriorizada ou inserir tais direitos na dignidade da pessoa humana, merece a chancela do art. 5 § 3 da Constituição Federal. Resultando na ascensão do Decreto legal acima da lei ordinária[2], desde que o conteúdo seja os direitos autorais, e que o Brasil seja signatário. As disposições do citado decreto prevaleceram sobre as disposições da lei ordinária.

Quanto ao conflito legislativo da Lei 9610/98 e a Lei 9609/98, sobre a proteção ao programa de computador, destaco os precedentes do TJSP:

Propriedade intelectual. Utilização irregular de programas de computador (software). Preliminar afastada. O artigo 2°, da Lei 9.609/98 (Lei do Software) faz referência expressa à extensão dos ditames da Lei 9.610/98 à propriedade intelectual de programas de computador. Prova pericial, realizada de forma isenta e imparcial, não se macula por alegações que decorrem apenas do inconformismo da apelante em relação à sua conclusão. Necessidade, contudo, de reconhecer a superveniência de laudo complementar que afastou a irregularidade no uso de 2 programas, remanescendo a necessidade de indenizar apenas pelo uso indevido do software "Visio Professional 2013", que estava instalado sem a devida licença. Indenização bem fixada em 10 vezes o valor de mercado do programa que será apurado em liquidação de sentença. Recurso parcialmente provido.  

(TJSP;  Apelação Cível 1015002-76.2017.8.26.0008; Relator (a): Maia da Cunha; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional VIII - Tatuapé - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/10/2018; Data de Registro: 25/10/2018)

 

DIREITOS AUTORAIS – Ação cautelar de vistoria, busca e apreensão – Uso indevido de software – Laudo pericial conclusivo de que a empresa ré possui em suas dependências computadores com softwares não autorizados, ou sem licença, pela corré Microsoft – Inteligência do art. 9º da Lei nº 9.609/98 – Aplicação, ademais, do disposto no artigo 7º, XII da Lei nº 9.610/98, que equipara os softwares às obras intelectuais protegidas. Sentença mantida. Apelação não provida.

(TJSP;  Apelação Cível 0023961-97.2011.8.26.0320; Relator (a): João Carlos Saletti; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Privado; Foro de Limeira - 1ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 08/10/2019; Data de Registro: 11/10/2019)

 

Podemos afirmar, que naquilo que a lei 9610/98, dispuser de forma diversa ou conflituosa ao disposto na lei 9.609/98, será aplicável a obra intelectual: programa de computador, o disposto da lei posterior: Lei 9610/98.

Mas o elementar é chamar a ordem legal, os direitos sobre o programa de computador advindo da prestação de serviços ou a cumprimento de dever funcional.

Enuncia o art. 4 da lei 9609/98:

Art. 4º Salvo estipulação em contrário, pertencerão exclusivamente ao empregador, contratante de serviços ou órgão público, os direitos relativos ao programa de computador, desenvolvido e elaborado durante a vigência de contrato ou de vínculo estatutário, expressamente destinado à pesquisa e desenvolvimento, ou em que a atividade do empregado, contratado de serviço ou servidor seja prevista, ou ainda, que decorra da própria natureza dos encargos concernentes a esses vínculos.

  • 1º Ressalvado ajuste em contrário, a compensação do trabalho ou serviço prestado limitar-se-á à remuneração ou ao salário convencionado.
  • 2º Pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público.
  • 3º O tratamento previsto neste artigo será aplicado nos casos em que o programa de computador for desenvolvido por bolsistas, estagiários e assemelhados.

A lei de direitos autorais- 9.610/98, em texto, não faz menção a questão de direitos autorais decorrente da obra produzida por prestação de serviços ou a cumprimento de dever funcional, porém trás em seu art.115, a leis que foram revogadas e as mantidas em vigor: 6.533/78 e 6.615/78. E da lei 6.533/78 é que vem o valor normativo a ordenar os direitos autorais sobre a obra intelectual, produzida por prestação de serviços ou em cumprimento de dever funcional.

Em princípio, temos o valor de hermenêutica:

“É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei da mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu conceito. “

(STJ, REsp 49.272, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, j. em 21.9.1994, DJ de 17.10.1994, RT 720/289)

 

Mencionado textualmente a lei 6533/78, com sua manutenção, esses valores portanto incorporam aos valores normatizados pela lei 9610/98 – lei citadora.

E qual é o valor que nos importa, para a questão dos direitos autorais produzidos por prestação de serviços ou a cumprimento de dever funcional?

A lei 6.533/78 é a lei que regulamenta a profissão de artista. Como é sabido o artista é titular de direitos conexos, que compõem os direitos autorais (art. 1 da lei 9610/98)[3] . Porém o artigo 13 da lei 6533/78, faz textual menção a expressão direitos autorais, não alcançando os direitos conexos mas também os direitos de autor. Eis o regramento:

Art . 13 - Não será permitida a cessão ou promessa de cessão de direitos autorais e conexos decorrentes da prestação de serviços profissionais.

Parágrafo único - Os direitos autorais e conexos dos profissionais serão devidos em decorrência de cada exibição da obra.

Passamos as premissas do referido dispositivo, em relação aos direitos autorais decorrentes da prestação de serviço ou a cumprimento de dever funcional, considerando as leis protetivas aos direitos autorais:

1 – A lei 6533/78, por mencionar a expressão direitos autorais, alcança os titulares de direitos conexos, como os titulares de direito de autor, seja(m) autor(es) pessoa física;

2 – Por contrato de prestação de serviços para criação de obra intelectual, de qualquer tipo, inclusive o programa de computador, não será permitido a cessão de direitos autorais para empregador (a observar a legalidade do contrato à luz do art. 2035 § único do Código Civil);

3- Em consequência os direitos autorais da obra criada em prestação de serviços ou a cumprimento de dever funcional, serão do criador da obra intelectual;

Há quem dirá, que o disposto no art.13 da lei 6533/78, referendado pelo art. 115 da lei 9610/98, não macula o teor do art. 4 da lei 9609/98, ainda que as disposições sejam antagônicas (art. 13 da lei 6533/78 em relação ao art. 4 da lei 9609/98), considerando tratarem de leis especiais a normatizar os direitos autorais, podendo ser aplicadas a proteção aos direitos autorais sobre o programa de computador.

Por derradeiro, diga-se que a Convenção de Berna (Decreto 75.699/75) como  instrumento regulador internacional da proteção aos direitos autorais sobre as obra literárias e artísticas, e por questão constitucional recebe a chancela do art. 5 § 3 da Constituição Federal, está acima das leis ordinárias. E na Convenção de Berna existe a disposição mais preservacionista dos direitos do criador, ei-lo:

ARTIGO 19

As disposições da presente Convenção não impedem que se reivindique a aplicação de disposições mais amplas que venham a ser promulgadas na legislação de qualquer país unionista.

Em conclusão, qualquer disposição vigente no ordenamento jurídico, mais ampla pode ser reivindicada pelo autor em beneficio de preservação de seus direitos autorais, inclusive quanto a obra realizada em prestação de serviços e a cumprimento de dever funcional.

Por tudo, existem duas leis a proteger o programa de computador: Lei 9609/98 e Lei 9610/98, ambas especiais, por força da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro (DECRETO-LEI Nº 4.657/42), a posterior prevalece sobre a anterior naquilo que confrontar.

Os direitos autorais sobre programa de computador, produzidos por prestação de serviços ou a cumprimento de dever funcional, não são tacitamente transferido ao empregador, e são nulos os atos jurídico de cessão de direitos autorais quando o cedente for prestado de serviço ou empregado do cessionário.

Por fim, o autor poderá reivindicar em proteção aos seus direitos autorais sobre o programa de computador, com base na norma mais protetiva e vigente.

 

Bibliografia

- COSTA NETTO, Jose Carlos. Direito autoral no Brasil. 2ª ed. São Paulo: FTD, 2008

- FRANÇA, Limongi. Hermenêutica jurídica. 7ª ed. São Paulo: Saraiva. 1999

- MAXIMILIANO, Carlos - Hermenêutica e aplicação do direito - ed. Forense - 18 ed. - Rio - 1999.

- PIMENTA, Eduardo Salles. A proteção jurídica (civil e penal) do programa de computador: Pontos e Contra-pontos , 5ª ed.  São Paulo: Ed. Letras Jurídicas. 2020;

- TAVARES, Francisco de Assis Maciel. Ratificação de Tratados internacionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

- WACHOWICZ, Marcos; REZENDE, Denis Alcides. Tecnologia da informação e impactos na propriedade intelectual. In: Propriedade Intelectual & Internet. Curitiba: Juruá, 2004. v. 1.

[1] Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos (1986). Especializado pela Fundação Getulio Vargas RJ (1988).Pós graduação Estacio de Sá - Lato sensu (1999).Foi aluno de mestrado (2007) e doutorado (2011) com concentração em Direitos Autorais da FADISP, onde concluiu os respectivos créditos. Professor Adjunto do curso de Direito na UNIP - Alphaville. Autor de livros e artigos

[2] AGRAVO DE INSTRUMENTO - Liquidação e cumprimento de sentença - Contrato de participação financeira em plano de expansão de telefonia que foi discutido em ação civil pública - Prevenção da 4ª Câmara de Direito Privado - Questão decidida em Conflito de Competência pelo Grupo Especial da Seção de Direito Privado - Precedentes - Aplicação do princípio da hierarquia das leis que impede norma inferior de contrariar norma jurídica superior - Recurso não conhecido com determinação para redistribuição. 

(TJSP;  Agravo de Instrumento 2192440-33.2016.8.26.0000; Relator (a): Mendes Pereira; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Araraquara - 5ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 30/01/2017; Data de Registro: 14/02/2017)

 

[3] Art. 1º Esta Lei regula os direitos autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos.

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